Segunda, 22 de março de 2021
A palavra latina pacificare, da qual é derivada pacificus, é composta de dois radicais (e o mesmo acontece em grego) pax e facere, isto é, “paz” e “fazer”. Pacificador (em latim pacificus) é, pois, aquele que faz a paz, é um “fazedor de paz”, um homem que possui em si a força creadora de estabelecer ou restabelecer um estado ou uma atitude permanente de paz no meio de qualquer campo de batalha.
A tradução “pacíficos” em vez de “pacificadores”, que se encontra em muitas versões portuguesas, não corresponde ao sentido do original grego eirenopoioi, nem ao latim pacifici, porque ambos significam um processo ativo e dinâmico, e não apenas um estado passivo de paz.
Quem é, pois, verdadeiro pacificador?
Não é, em primeiro lugar, aquele que restabelece a paz entre pessoas ou grupos litigantes, mas sim aquele que estabelece e estabiliza a paz dentro de si mesmo. Aliás, ninguém pode ser verdadeiro pacificador de outros se não for pacificador de si mesmo. Só um autopacificador é que pode ser um alo-pacificador. A pior das discórdias, a mais trágica das guerras é o conflito que o homem traz dentro de si mesmo, o conflito entre o ego físico-mental da sua humana personalidade e o Eu espiritual da sua divina individualidade.
Se não houvesse conflito interior, entre o seu Lúcifer e o seu Lógos, não haveria conflitos exteriores, na família, na sociedade, nas nações, entre povos. Todos os conflitos externos são filhos de algum conflito interno não devidamente pacificado. Por isto, é absurdo querer abolir as guerras ou revoluções de fora, as discórdias domésticas no lar ou no campo de batalha, enquanto o homem não abolir primeiro o conflito dentro da sua própria pessoa.
O grande tratado de paz tem de ser assinado no foro interno do Eu individual antes de poder ser ratificado no foro externo das relações sociais. Nunca haverá Nações Unidas, nunca haverá sociedade ou família unida enquanto não houver indivíduo unido. Pode, quando muito, haver um precário armistício (que quer dizer “repouso de armas”), mas não uma paz sólida e duradoura enquanto o indivíduo estiver em guerra consigo mesmo. Que é um armistício se não uma trégua, maior ou menor, entre duas guerras?
Paz social, segura e estável, supõe paz individual, firme e sólida.
Disse o Mestre, em vésperas da sua morte:
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize (Jo 14.27).
Veja ainda: Jo 16.21-24.
É este o grande tratado de paz, no santuário da alma. Não é um armistício precário de cuja estabilidade se deva temer a cada momento, mas é uma paz firme e indestrutível, plena de alegria e felicidade, porque alicerçada sobre a verdade, a verdade libertadora (Jo 8.32).
Essa paz segura e duradoura, porém, só pode existir no homem que ultrapassou todos os erros e todas as ilusões do velho ego e se identificou com a verdade vivida pelo novo homem, o homem que descobriu em si o Cristo e o fez triunfar sobre sua vida.
Essa bem-aventurança é, pois, a apoteose da perfeita realização espiritual, porque o homem que encontra o seu Cristo interno, entra num mundo de firmeza e paz, que se revela constantemente em forma de alegria e felicidade e se concretiza em benevolência e vontade de servir e de dar.
O homem que encontrou Deus pela experiência mística é, naturalmente, bom e benévolo com todos os homens e com os seres infra-humanos. A felicidade interna tem a irresistível tendência de transbordar em benevolência externa e numa vontade de servir e dar espontânea e jubilosamente.
Quando o homem é mau e desabrido com os outros é porque não tem paz interior e sente a necessidade de descarregar o excesso da sua infelicidade “nervosismo”, na linguagem eufemística de cada dia em alguém ou em alguma coisa, e os objetos mais próximos servem de pára-raios para essa tensão do homem infeliz. Propriamente, deveria esse homem ser áspero consigo mesmo, o principal culpado; mas, como o egoísmo não lhe permite semelhante sinceridade, são os inocentes ou os menos culpados – não raro, até coisas e animais domésticos – alvo dessa irritação do homem intimamente desarmonizado com Deus e consigo mesmo.
Quando o homem tolera a si mesmo, graças a uma profunda paz de consciência, todas as coisas e pessoas do mundo são toleráveis; mas, quando o homem, de consciência insatisfeita, não se tolera a si mesmo, nada lhe é tolerável.
A paz nasce, portanto, de uma profunda sabedoria, do conhecimento da verdade sobre si mesmo. Quem conhece essa verdade é livre de todo o ódio, tristeza, rancor, senso de perda e frustração.
Harmonização pessoal – Uma pessoa profundamente harmonizada em si mesma irradia harmonia ao redor de si e satura dessa imponderável e benéfica radiação todas as coisas.
As suas auras benéficas envolvem tudo num halo de serenidade e bem-estar, de fascinante leveza e luminosidade, que atuam, imperceptível, porém seguramente, sobre outras pessoas receptivas.
O homem que estabeleceu a paz de Deus em sua alma é um poderoso fator para restabelecer a paz em outros indivíduos, e, através destes, na sociedade. Não é necessário que fale muito em paz, que aduza eruditos argumentos pro pace – basta que ele mesmo seja uma fonte abundante e um veemente foco de paz.
O filósofo místico norte-americano Emerson disse, certa vez, a um homem que falava muito em paz, mas não possuía paz dentro de si: “Não posso ouvir o que dizes, porque aquilo que és troveja muito alto”.
Quem não é pacificado dentro de si mesmo, não pode ser pacificador fora de si.
Deus é a eterna fonte de paz – Os pacificadores serão chamados “filhos de Deus”. Deus é a paz eterna, infinita, absoluta; não a paz da inércia, fraqueza e vacuidade, mas a paz da dinâmica, da força, da plenitude. Nele não há discórdia, luta, conflito; e quanto mais o homem se aproxima de Deus, pela compreensão e pelo amor, tanto mais a sua vida se assemelha à vida divina pela paz e serenidade. O homem que fez definitivo tratado de paz consigo mesmo irradia uma atmosfera de calma e felicidade que contagia a todos os que forem suficientemente suscetíveis para perceber essas auras pacificantes.
Os primeiros discípulos de Jesus referem os Atos dos Apóstolos, eram “todos um só coração e uma só alma viviam em paz e harmonia e tomavam as suas refeições em comum, na alegria e simplicidade do seu coração; nem havia entre eles um só indigente, porque os que possuíam demais davam do seu supérfluo aos que tinham de menos.
Destarte, pela paz individual, o problema da paz social.
Pastor Espedito Marinho